Atendimento

Atendimento Presencial e Online

Há algumas décadas, pesquisadores no campo da psicanálise vêm apresentando argumentos favoráveis e contrários à introdução de tecnologia de comunicação nos tratamentos analíticos. Em 2020, entretanto, parece que as divergências foram momentaneamente deixadas de lado, já que o distanciamento social, recomendação da OMS para conter a proliferação da Covid-19, quase impôs aos psicanalistas o atendimento intermediado por recursos tecnológicos. A situação de pandemia vem nos ensinando que a análise a distância tem produzido resultados similares aos obtidos nos tratamentos em consultórios, o que nos leva a crer que essa modalidade de atendimento veio para ficar.

Como funciona uma sessão online?

Analista e paciente, ainda que estejam fisicamente distantes e até em fusos horários diferentes, ficam conectados e podem se ver um ao outro na tela de seus dispositivos eletrônicos. A voz e o olhar presentificam o corpo de ambos, o que nos autoriza a dizer que, nesse contexto, a ideia de presença do outro não é puramente um dado subjetivo; ao contrário, psicanalista e psicanalisando estão de fato presentes no espaço virtual. Nesse contexto, seja dito de passagem, parece que o conceito tradicional de virtualidade se esvazia se considerarmos que o diálogo entre analista e analisando não é uma potencialidade, mas sim uma realidade. Trata-se de um contato que se processa nos moldes de uma live, isto é, ao vivo, no momento mesmo em que está ocorrendo. É fato, é real!
A análise, portanto, passa a ocorrer em uma “presença comunicativa”. Em outras palavras, o tempo e o espaço são transformados em uma conexão simbólica, que emerge no contato pela internet ou pelo telefone (CARLINO, 2011). É precisamente nesse contato que cada participante do diálogo percebe a presença do outro, mesmo que não seja fisicamente. Dissipa-se, dessa forma, a impressão de que, durante a interação, o outro está longe ou ausente.
Os sonhos, os sintomas, a associação livre (convite ao paciente para expressar tudo aquilo que passar pela sua mente durante a sessão de análise) continuam sendo endereçados ao analista, o qual permanece como causa da transferência — fenômeno em que o analisando apresenta ao psicanalista desejos, impressões, sentimentos relativos aos primeiros objetos de amor (pai e mãe ou seus substitutos), revivendo-os e atualizando-os na sessão de análise. O psicanalista, portanto, mantém-se como o lugar ao qual o paciente endereça as formações do inconsciente.
A mesma atenção flutuante (disponibilidade psíquica do analista para escutar as associações livres do analisando) que ocorre nas sessões em consultórios é preservada nos contatos on-line. O psicanalista dirige a sua escuta para a forma como o paciente relata os episódios da vida, a maneira como encadeia as cenas no relato. Por outros termos, o analista permanece à busca do não dito, ou seja, da enunciação — instância na qual o inconsciente se apresenta, e o desejo circula.
Com relação aos elementos do ato de comunicação, nada, ou quase nada, se altera. Os componentes paraverbais (tom de voz e ritmo da fala) e extra verbais (gestos, expressões, comportamento, risos, choros e qualquer outra manifestação corporal que acompanha a fala) continuam a integrar a situação analítica e a constituir relevante material psíquico no qual o inconsciente pode emergir. Não é demais acrescentar que não ocorre modificação no que se refere ao acolhimento (holding), ao trabalho de interpretação e à função de testemunha para o paciente.

Como fica o setting (arranjos práticos para que a sessão de análise aconteça)?

O setting engloba um método, uma técnica e uma ética, aspectos também preservados no atendimento on-line. Entretanto, caberá ao paciente a tarefa de providenciar um ambiente de aconchego e intimidade, normalmente assegurado no setting tradicional (consultório). É preciso tomar todos os cuidados para garantir a privacidade e evitar que a sessão seja interrompida. Analista e paciente devem dispor de uma boa conexão de internet a fim de que não ocorram inconsistências técnicas que possam comprometer o andamento da sessão. Contudo, caso ocorram imprevistos, é aconselhável que eles sejam acolhidos, pois não se pode controlar o acaso. O inesperado pode irromper em qualquer lugar, inclusive no consultório.

Vantagens do atendimento a distância

Vale ressaltar que as ferramentas tecnológicas de comunicação podem facilitar o tratamento analítico de:
  • analisantes que precisam se ausentar da cidade de residência por um determinado período;
  • pacientes brasileiros que residem no exterior e preferem ser atendidos por analistas também brasileiros (sujeitos que tenham adquirido a mesma língua materna e se formado na mesma cultura);
  • indivíduos que residem em cidades pequenas, onde não há psicanalistas;
  • pacientes acamados ou com dificuldades para se locomover até o consultório.

Considerações finais

Para finalizar, é fundamental dizer que o tratamento psicanalítico precisa ser considerado em uma conjuntura de rápidas transformações tecnológicas, que se refletem fortemente na linguagem e na cultura em que os sujeitos são constituídos. Não está distante o tempo em que essa modalidade de atendimento será a preferida de indivíduos super-habituados aos aparatos eletrônicos, às conexões de internet, aos contatos a distância.
Se a análise on-line vinha sendo uma prática experimental nas últimas décadas, circunscrita a um pequeno grupo de analistas, o cenário mudou de forma bastante relevante no contexto da pandemia de coronavírus. Não há dúvida de que essa modalidade de atendimento se difundiu no último ano e há uma altíssima probabilidade de que ela seja incorporada definitivamente ao cotidiano de um grande número de psicanalistas.
As experiências dos últimos meses talvez possam responder, em um curto espaço de tempo, se a análise por vídeo equivale àquela praticada em consultórios, no divã. Entretanto, com ou sem essa resposta, a verdade é que atualmente os analistas têm enfrentando essa nova realidade e terão de decidir se vão ou não recusar essa nova forma de trabalho.
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